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Reportagem Publication logo Junho 26, 2023

Como descobrimos a maior grilagem de terras na Amazônia brasileira

País:

Autor(a):
A green tropical rainforest logo.
Inglês

Professional land grabbers are willing to invest a large amount of money to deforest huge areas and...

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A Rainforest Investigations Network (RIN) perguntou a seus Fellows de 2022 sobre as metodologias inovadoras por trás de suas reportagens. 

Clique aqui para ler a história "Ladrões de Floresta", de Fernanda Wenzel, no The Intercept Brasil.


This methodology piece was also published in English. Read it here. 


Quando começamos essa investigação (publicada pela primeira vez no Intercept Brasil), sabíamos que o principal fator de desmatamento na Amazônia era a grilagem de terras públicas não designadas, que pertencem aos governos federal ou estadual e ainda não foram convertidas em terras indígenas ou áreas protegidas. Mas havia muitos pontos cegos: Como essa apropriação de terras realmente acontece no local? Ela acontece de forma aleatória ou é estrategicamente planejada? Quanto dinheiro ela gera? Para responder a essas perguntas, foi necessário fazer dezenas de entrevistas, analisar vários arquivos judiciais e pesquisar em muitos bancos de dados e páginas de mídias sociais.

Vídeo mostra o avanço do desmatamento na região amazônica. Por Júlia Coelho/The Intercept Brasil. Imagem por ESA Copernicus/Sentinel-2/Earthrise.

Hipótese

Nossa hipótese era que a grilagem de terras é, na verdade, um setor muito organizado, que envolve muito dinheiro e ocorre em grande escala.

Fontes de dados

Alerta Mapbiomas (disponível publicamente)

Um coletivo de pesquisa que rastreia mudanças no uso da terra por meio de imagens de satélite e tem usado sua plataforma para coletar e validar alertas de destruição de florestas tropicais desde 2019.

Registro Nacional de Florestas Públicas (CNFP) (disponível publicamente)

Um registro do governo federal do Brasil de todas as florestas públicas, incluindo as áreas não designadas.

CAR (Cadastro Ambiental Rural) do Pará (disponível publicamente)

Um documento autodeclaratório criado como uma ferramenta ambiental para rastrear quem está trabalhando em propriedades rurais, mas que nas mãos de grileiros de terras se tornou uma forma legal de reivindicar terras públicas. Para registrar um CAR, os fazendeiros precisam fazer o upload de um polígono, que são dados para encontrar uma localização em um mapa, para cada propriedade.

Sigef (disponível publicamente)

Esse é o sistema de dados de registro de terras do Incra, o órgão fundiário do Brasil. Como um CAR, no Sigef, o fazendeiro registra um polígono para cada propriedade. Ele também é autodeclaratório, de modo que os fazendeiros não precisam provar que são os proprietários ao fazer o registro.

Multas e embargos ambientais do Ibama (disponíveis publicamente aqui e aqui)

O Ibama é o órgão ambiental do Brasil. Ele pode emitir multas contra desmatadores e também embargos, que proíbem um fazendeiro de usar a terra desmatada por um determinado período de tempo, para que a floresta possa se regenerar.

Multas ambientais da Semas (disponível publicamente)

A Semas é o órgão ambiental do estado do Pará.

Autos judiciais (disponível publicamente)

Analisamos os processos dos tribunais federais e do tribunal estadual do Pará.

Imagens de satélite 

Para verificar os danos ambientais em terras públicas, usamos o acesso pago à plataforma on-line de imagens de satélite Planet (que também tem acesso gratuito por meio do programa NICFI). As imagens de satélite de alta resolução foram obtidas por meio de uma parceria com a Earthrise Media.

Guias de Trânsito Animal (GTA) (não disponível publicamente)

Obtivemos os arquivos GTA por meio de um parceiro. Eles são emitidos sempre que um fazendeiro precisa transportar gado de uma fazenda para outra ou de uma fazenda para um abatedouro.

Mídia social

Utilizamos principalmente o Facebook para descobrir os perfis dos fazendeiros e grileiros.

Prodes (disponível publicamente)

Os dados oficiais de desmatamento do Brasil são produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE.

Panjiva (um serviço pago)

Esse é um banco de dados de importações e exportações que coleta dados alfandegários de todo o mundo e mostra o conteúdo das remessas, a origem, o destino, a empresa de remessa e a empresa receptora. É um serviço pago, mas obtivemos os dados por meio do Center for Climate Crime Analysis (CCCA).

Banco de dados de empresas CruzaGrafos (acesso limitado)

Pode ser usado apenas por membros da Abraji, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. É um sistema no qual você pode pesquisar o nome de uma pessoa e ver as empresas das quais essa pessoa é sócia. Ele também mostra se há multas ambientais do Ibama vinculadas a essa pessoa ou empresa.

Digesto (um serviço pago)

Trata-se de um banco de dados de processos judiciais pago, com o qual temos uma parceria. Uma alternativa é o JusBrasil, que agora é gratuito para os associados da Abraji. Ambos são mecanismos de busca em que você pode procurar os processos judiciais usando o nome de uma pessoa. Ele mostra o número do processo e a qual tribunal ele está relacionado.

Entrevistas por telefone e a campo

Metodologia

Usamos o Mapbiomas Alerta para procurar o maior desmatamento registrado na Amazônia e o encontramos: um desmatamento de 6.500 hectares no sul do Pará.

No site do Mapbiomas Alerta, baixamos o polígono do desmatamento e, em seguida, usamos o software geoespacial QGIS para fazer a referência cruzada com os polígonos do CNFP (registro público de terras). Em seguida, vimos que esse desmatamento ocorreu dentro de uma terra pública não designada, confirmando nossa hipótese de que a maior parte da grilagem profissional de terras ocorre nessas áreas. 

Decidimos usar essa abordagem porque queríamos ir atrás dos grileiros profissionais, aqueles que têm muito dinheiro. Sabíamos que a primeira coisa que um grileiro faz é desmatar a floresta e que o custo para desmatar 1.000 hectares era de cerca de US$ 200.000. Portanto, se desejávamos ir atrás dos figurões, precisávamos de um grande área de desmatamento. Foi por isso que começamos nossa pesquisa procurando a maior área no Mapbiomas Alerta. 

O que foi único em nossa abordagem é que não queríamos apenas contar a história dos grileiros, mas também a da terra. O desmatamento em si foi um dos nossos personagens principais, e queríamos contar passo a passo essa história. 

Portanto, nossa investigação tomou dois caminhos diferentes. Por um lado, trabalhamos para descobrir quem estava por trás desse desmatamento. Sobrepusemos os polígonos do CAR do Pará com a área de desmatamento e encontramos dois CARs registrados lá, em nome de dois homens. Usamos os bancos de dados do CAR e do Sigef para procurar outras propriedades em seus nomes ou nos nomes de seus familiares. 

Em seguida, baixamos os dados de desmatamento do Prodes e os sobrepusemos aos outros CARs e às propriedades do Sigef, para verificar se também haviam sido desmatados. Usamos dados do Ibama e arquivos judiciais para verificar seu histórico de crimes ambientais. Usamos o site de informações sobre empresas CruzaGrafos para ver se eles tinham empresas em seus nomes e usamos GTAs (arquivos que mostram o transporte de gado) para ver se eles eram criadores de gado e para quem vendiam esse gado. 

Usamos as mídias sociais para ver a aparência dessas pessoas, o tipo de vida que tinham, o tipo de trabalho que realizavam e a importância que tinham em suas comunidades. Depois de reunir todas essas evidências em uma planilha, tínhamos elementos suficientes para dizer com certeza que um dos rapazes que registrou a terra em seu nome no CAR provavelmente era um procurador. Mas o outro era de uma família de proprietários de terras locais, que produzem soja e gado e têm influência política na comunidade local. 

O segundo caminho foi contar a história dessa terra. A Earthrise Media usou imagens de satélite de alta resolução para mostrar cada etapa do desmatamento, desde a extração seletiva de madeira até o desmatamento em grande escala e o uso do fogo. Por meio de um processo judicial aberto no Pará depois que a Semas (órgão ambiental do estado do Pará) multou os grileiros por esse desmatamento, também descobrimos que tipo de maquinário eles usaram para derrubar a floresta (motosserras e tratores). 

Para localizar esse processo judicial, usamos o nome do grileiro para procurar processos judiciais no Digesto e, em seguida, localizamos o processo correto no site do Tribunal de Justiça do Pará. Com essas informações, pedimos a um advogado que nos enviasse o processo judicial completo. (No Brasil, isso só pode ser feito por advogados e somente se o processo não estiver sob sigilo).

Juntando todas essas peças e conversando com fontes locais, pudemos estimar quanto dinheiro eles gastaram com o desmatamento (US$ 2,5 milhões) e quanto dinheiro ganhariam se vendessem a terra depois disso (US$ 25 milhões).

Quando tínhamos muitas evidências, fomos a campo para captar a atmosfera daquela região (uma comunidade cuja economia é afetada por grilagem de terras, desmatamento e mineração ilegal), tirar fotos e conversar com algumas fontes locais. 

Em casa, ligamos para as pessoas que estavam por trás da grilagem de terras para ouvir a versão delas.

Reportagem passo a passo

1. Mapbiomas Alerta: download do banco de dados em formato de planilha, usando o Google Sheets (ou Excel) para filtrar o maior deles. Em seguida, volte ao site e baixe o shapefile desse maior.


Imagem por Fernanda Wenzel.

Imagem por Fernanda Wenzel.

Imagem por Fernanda Wenzel.

2. Sobreposição do polígono de desmatamento com o CNFP no QGIS.


Imagem por Fernanda Wenzel.

3. Sobreposição do desmatamento com os CARs no QGIS (então obtemos os CPFs dos indivíduos).


Imagem por Fernanda Wenzel.

4. Procurar informações sobre essas pessoas nas mídias sociais.

5. Procurar outros CARs e Sigef com o nome dos mesmos indivíduos ou de seus familiares e sobrepô-los aos dados do Prodes no QGIS.


Imagem por Fernanda Wenzel.

6. Procurar multas do Ibama e processos judiciais em seus CPFs.

7. Busca de empresas com seus nomes no CruzaGrafos.


Imagem por Fernanda Wenzel.

8. Procurar GTAs registradas em seus CPFs.

9. Organização de todas essas informações em uma planilha.


Imagem por Fernanda Wenzel.

10. Procurar imagens de satélite de cada etapa do desmatamento.


Imagem por Fernanda Wenzel.

11. Procurar um arquivo judicial sobre o desmatamento para obter mais detalhes sobre como isso aconteceu.


Imagem por Fernanda Wenzel.

12. Conversar com as fontes para estimar a relação custo/lucro do desmatamento.

13. Ir a campo.


A equipe foi para o Sul do Pará em agosto de 2022, quando a Amazônia registrou um recorde de queimadas. Imagem por Fernanda Wenzel. Brasil.

O fotógrafo Bruno Kelly e a motorista Gabrie Bruxel acompanharam Fernanda em uma viagem de campo de 10 dias pela Amazônia. Imagem por Bruno Kelly. Brasil.

14. Entrar em contato com os grileiros de terras para ouvir o outro lado.

15. Escrever a história.

Limitações da metodologia, lições aprendidas, desafios e dicas para superá-los

Nossa limitação foi que um dos homens que registrou a terra desmatada em seu nome era claramente um procurador. Ele não tinha nenhuma empresa de soja ou gado em seu nome e, por meio da mídia social, pudemos ver que ele era funcionário de fazendeiros locais, e não fazendeiro. Mas nossa investigação não conseguiu descobrir quem estava por trás dele. Por isso, decidimos registrar uma denúncia no Ministério Público Federal do Pará, para que eles pudessem prosseguir com a investigação. 

O principal desafio foi construir a história dos personagens e da terra com poucas fontes locais e sem poder conversar com muitas pessoas nem se aproximar muito da área quando estávamos no campo, por questões de segurança. O que aprendi, no entanto, é que quanto mais você procurar evidências e cruzar essas evidências, mais sua história será à prova de balas. Mas não se esqueça: é preciso organizar muito bem essas evidências, caso contrário você será soterrado por informações.

Também aprendi que, em algum momento, é preciso parar de fazer trabalho de escritório e colocar os pés no chão. Por mais difícil que seja, isso sempre lhe trará uma visão muito mais realista da história, que você poderá compartilhar com o leitor.

Como essa metodologia pode ser replicada para outros fins de investigação

Acredito que essas fontes de informação, como CAR, Sigef, Ibama, arquivos judiciais, CruzaGrafos e mídias sociais, podem ser usadas como uma primeira etapa de avaliação para investigar qualquer questão relacionada à terra. Elas lhe dão uma visão rápida de quem são essas pessoas e de quanta terra elas dizem ter. Certamente também usarei novamente imagens de satélite como forma de ilustrar minhas histórias.

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